A COBRANÇA*

A COBRANÇA
(ou MUITO OBRIGADO, DOUTOR!)
(crônica)

Por Paulo Rebelo

Às vezes, é impossível para o médico descobrir a causa de uma determinada doença por mais longa a lista de exames a serem feitos. Pode ser oriunda de uma desordem genética no momento da evolução do concepto ou herança genética como a hipertensão e o diabetes ou ainda consequência de doença adquirida pela vida do indivíduo como é a cirrose hepática ou o enfisema pulmonar, decorrentes do alcoolismo e tabagismo, que ainda podem vir "enriquecidas" das idiossincrasias de cada indivíduo ou seja, da maneira como cada um reage pela doença.

Atendi uma paciente na casa do 50 anos, afável, educada, cujo seu diagnóstico lhe era extremamente desfavorável: coração grande. Sentia cansaço e palpitações quando caminhava e falta de ar à noite no meio do sono. Isso estava mexendo muito com sua vida, sobretudo, psicologicamente; estava com medo de morrer.

Além da mãe ter morrido de infarto do miocárdio, de estranho mesmo é que havia adquirido uma doença infecciosa no passado recente e que segundo ela, disse que "quase morreu".

A sua condição não era terminal, mas preocupava-me bastante, dado à possibilidade de complicações mórbidas, inclusive, fatais.

Assustou-se com três medicamentos que deveria tomar durante no mínimo seis meses e pelas restrições físicas lhe impostas, como parar temporariamente de fazer suas longas caminhadas.

As suas mãos eram frias, os olhos grandes e irrequietos, a respiração pesada e rápida e só de eu falar q tinha q lhe dar explicações, dizia: "doutor, eu não quero saber; se for grave, não me diga nada".

E agora? Durma-se com um barulho desses! O fato é que algo assim não se esconde. Por outro lado, não contava com sua família que nunca conheci e nem com o esposo sequelado de AVC e depressão grave, nem pensar,
cuja mulher o poupava de problemas.

Ainda passou o ano inteiro se tratando comigo e sempre desacompanhada, o que me deixava desconcertado. Os sintomas desapareceram e ela achando q estava curada. E, eu sempre lhe dizia: "a senhora está melhorando; nao pare nunca os seus medicamentos. Tome-os até segunda ordem!"

O tempo passou, ela melhorou mesmo, pois desapareceu do consultório e mandou dizer através da secretária que "estava muito bem" e que havia abandonado os medicamentos "para não ficar dependente e não intoxicar". Pensei, "MEU DEUS!

Algum tempo depois soube através de terceiros q ela havia tido morte súbita no parque.

Alguém me disse que aquela família que jamais conheci estava chateada ou indignada comigo de nunca ter conversado nada como ela. imaginei: nunca me procuraram nem para dizer, no mínimo:

"muito obrigado pelo que o senhor fez pela nossa irmã, doutor!".

Paulo Rebelo, o médico poeta.

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