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Mostrando postagens de setembro, 2020

A SÚPLICA

A SÚPLICA Por Paulo Rebelo Ao longo de décadas fui médico de uma senhora inesquecível, logo a partir de seu apelido: ZUZA. Era uma mulher espirituosa e voluntariosa. Católica fervorosa, era pessoa muito humana e solidária com as pessoas ao seu redor. A franqueza era a sua marca mais visível; o que tinha de dizer não mandava recado. A amizade e o amor dela por mim só cresciam com o tempo a ponto de ela, realmente, me ver quase como um filho e me dar broncas se eu não ligasse para ela "nem para saber se estava viva". Sabia que eu adorava um pato "bem grande" para o Círio de Nazaré e meu aniversário e assim me presenteava com os que criava no seu quintal. Mulher sofrida com a perda de marido e filhos, fiel à sua FÉ, otimista, sempre tinha uma palavra de esperança e tranquilidade para todos aqueles que vinham em busca dela e isso a mantinha sempre disponível pelo seu apego ao próximo. Nunca a vi dizer "não" . Diante de tanto sofrimento pessoal, passei a me af...

DOA COM MODERAÇÃO

A DOR nos coze até nos transformar ao ponto. Se muita, estraga; se excesso, mata. Então: Doa Com Moderação! 🥰

POR QUE? (EU SEI!)

Ao Meu Grande Amor, Bernadete Rebelo. POR QUE? (Eu sei!) Ah!  Por que  Te esqueço  Cotidianamente Se és tu quem me resgatas Perenemente? Eu não sei! Por que esqueço  Se quando estou no aveso  És tu quem frequentemente  Me aprumas direito?  Por que não vejo  Que teus erros na verdade  São os meus? ... Quando me perdoas, Quando de mim Te aborreces E te enojas! Que sentimento é esse De crer Que és minha posse Se te deixo abandonada  No canto à própria sorte?! Por que perdi a paciência  De outrora quando choras? Por que me sinto  Tão seguro a ponto  De te desvalorizar  À cada segundo  Como se fosse a vida toda? Que raios de amor estranho  É esse se ontem não te beijei, Se na noite passada na cama Não te acariciei?  Onde deixei o teu corpo  Sem o laço de meu abraço? Onde deixei o teu cheiro  Que me inebria? Por que não vejo mais  Teu sorriso ou o teu canto  Que me contagia? Que intimidade...

A DOR SOLIDÁRIA

A DOR SOLIDÁRIA  Por Paulo Rebelo A dor é a sina  Do homem, Sua cruz. É sua carteira  De identidade, Que camuflada  Leva no bolso, Que no seu infortúnio, Que lhe presta  Solidariedade, Uma espécie de luz. O homem deveria Ser mais agradecido À dor que carrega na alma. Ela é reconfortante. Ela é a única companheira Nas horas incertas, Presente quando se anda  Só e abandonado Por áreas desérticas. A dor é como o ar  Que o homem Obrigado respira Fruto do pecado original, Que carrega no corpo Como um veneno  Que silenciosamente Lhe mata pedagogicamente E aos poucos Até o instante final. Acostuma-se a ter  A dor tão de perto, Como um leão de circo Inquieto. A recompensa maior, Todavia, é um dia Dar-lhe adeus. Assim dizemos: Éramos mais felizes sem ela E não sabíamos. Paulo Rebelo, o médico poeta.

ACABOU!

ACABOU!   A vida inteira Tem sido assim; Tentar monstrar O que não sou. A correr atrás Do que um dia jamais serei. Negar o que desejei Ardentemente ter. Isso é tão teatral.   Basta! A peça acabou.   Cansei de buscar Provar quem sou. A cortina baixou. Cansei de ignorar o que fiz Sem ter a plena consciência Da extensão do mal que causei, Como se devesse Satisfações ao mundo, Num pré-julgamento absurdo Que não termina nunca Até o Juízo Final.   Acabou!       Paulo Rebelo , o médico poeta.

BANHO MARIA

BANHO MARIA A dor Que carrego no peito  Não me deixa fingir O que sinto. Ela vem das profundezas  De minha alma, Cozendo-me pouco a pouco Num banho-maria, Até me transformar como um todo. Paulo Rebelo, médico poeta.

NITA

NITA Na minha casa Havia uma gatinha; Era a Fiona, Também, chamada Fionita Ou só Nita. Também, havia Outros gatos. Mas era a minha preferida. Era uma gata de rua. Era preta e branca. Ela era mansa e doce. Não falava. Só me olhava comprido. Eu gostava dela. Não me lembro se teve filhos. Um dia ela foi atropelada. Não morreu, Mas foi desenganada. Por piedade, por nós,  Foi tratada. Por um milagre de Deus Ficou curada. Só mancava, Mas nunca reclamava. Passou a morar  Dentro de casa. Diferente dos outros gatos,  Não sei, Era a mais amada. Era como uma filha No seu quarto. Tudo ia bem, Ela se recuperou Completamente, Até que um dia adoeceu;  Não estava grávida, Era barriga d'água. Não resistiu. Depois que ela morreu, Fique muito triste; Nunca mais  O mundo foi o mesmo! Paulo Rebelo

A JANELA

A JANELA É da janela Onde espio A vida lá fora, A minha aqui dentro, De onde sinto  Um estranhamento E calo-me Como grito Preso na garganta Num algoz sofrimento. Que a vida congelasse, Que não me açoitasse Deixando-me marcas ao vento, Que o tempo não me condenasse à velhice, À dor de idas memórias, Ao esquecimento... Paulo Rebelo, o médico poeta.

O QUE SINTO...

"A DOR não reflete o que sinto; ela apenas alivia o meu grito...". Paulo Rebelo, o médico poeta.

NIILISMO

NIILISMO Eu nasci  Dentro desse corpo Prisioneiro. Teria sido melhor Ficar no espaço, Ter ficado dele livre E, de outros, também. Tipo bandoleiro, Sem compromisso. Ficar por aí  Flanando nos ares, Estar no banzeiro, Nos mares, Na terra Está por aí, Andando Por estradas Que nem tropeiro. Chega de purismos E lirismos; Quero o niilismo! Estou insatisfeito, Num só corpo, Não importa Ele é descartável; Estou irresignado De estar dentro  De qualquer um, Amuado, Sem poder xingar, Sem poder voar, Nessa breve vida  Imobilizado. Paulo Rebelo, o médico poeta.

VOZES

VOZES Por Paulo Rebelo Às vezes,  Ouço vozes Dentro de mim Estranhamente, Tenho a impressão  De que já os conheço Há tempos.   São dessa gente  Os gemidos, Urros e berros, Murmúrios, Que tintilam Nos meus ouvidos, Falando em solilóquio Ora gritando, Dialogando Ora ferozmente digladiando. Tenho a impressão  De que estou enlouquecido, Como se um dia  Já tivéssemos sido  Apresentados E com o tempo, Virado as costas  Um para o outro, Nos tornado inimigos. No fundo, Nunca fomos, de fato,  amigos; Éramos apenas conhecidos. Agora cá estou eu  Ardendo em chamas  Liquefazendo-me em tantos EU's,  Distantes entre si, Nesse caos, procurando A serenidade , Às cegas, buscando Da vida a simplicidade, O melhor de mim, Perdido em algum lugar, Entre tantos EU's Interiores e antagônicos, A Paz, A unidade. Paulo Rebelo, o EU's.

ARTISTA

  O ARTISTA Por Paulo Rebelo Alguém duvida De nunca ter sido Um dia artista? Esqueceste Quando o mundo Inteiro te aplaudia Teus primos, Pais e família Até pelas tolices Que Dizias E bobagens Que fazias? Esqueceste Dos dias Das tuas teatrais travessuras Quando dizias Que eras um leão Ou um touro? Quando Tu mulher, Ainda criança, Te passavas por mãe Amamentando tuas bonecas em plena infância? Um "estouro"! Quando brincavas De bombeiro com o fogo! E o mundo Todo de ti E contigo ria, Pois eras tu pura alegria. Ah! Sim, foste um artista! Brincávamos de bandido E polícia! Eu, também, fui! Na coxia, beijava a boca das bonecas De minha irmã mais velha Como um profissional! Fui um artista Fenomenal, Ao equilibrar-me De SACI PERERÊ Numa só perna, Em cima de uma bicicleta velha Ou no muro alto De meu quintal. Fui artista trapezista, Quando fui pegar A bola no fundo do poço, Acrobata Quando subi alto Na mangueira É caí sem quebrar Um único osso! Fui artista Quando declamei Versos na esco...

O JUIZ DE PAZ

O JUIZ DE PAZ Por Paulo Rebelo Às vezes, o indivíduo cava a sua própria sepultura. Já vi isso inúmeras vezes na prática do consultório. Alguns anos atrás, ocorreu-me uma consulta médica inusitada, entre muitas que faço diariamente. Veio ao meu consultório um casal, cujo cônjuge tinha tido um infarto do miocárdio há vários meses. Quanto a isso, dentro do esperado, estava se recuperando bem. A esposa ficou na sala de espera. Estranhei sua atitude, pois nesses casos, a companheira está sempre presente na consulta. Durante o atendimento, vim a saber depois que a união dos dois estava profundamente abalada, para não dizer acabada. O complicado caso clínico inicia-se num casamento de trinta anos que desmoronou e recolhendo os cacos, o homem e a ex-mulher, incrivelmente, tentavam reatar, pois reavaliado o enorme estrago, pesados os prós e contras, às duras penas, engolindo todas as dores do mundo, os dois tentavam recomeçar a vida agora a quatro. Eu não os conhecia e me reservava à condição d...

A CURA LITERÁRIA

A CURA E A LITERATURA (Ou a literatura cura) Por Paulo Rebelo Alguns me perguntam,  Principalmente,  Aqueles que frequentam  O meu Consultório  Há vários anos,  De onde extraio  Tanta imaginação  E criatividade para  Compor meus  Poemas e poesias,  Meus contos e crônicas.  Bem, é dali mesmo. Lá é um rico celeiro  De experiências humanas  Tão reais que parecem  As minhas próprias. E, igualmente, me doem.  Assisto cerca  De sessenta pessoas,  Entre pacientes e  familiares,  Com toda sorte  De sofrimento físico  E mental  Que um ser humano  Possa experimentar  Em uma existência,  Todos os dias,  Há várias décadas.  Quem na face da terra  Teria a tanta oportunidade  De cuidar do corpo  E alma de alguém  E ainda por cima,  Para compreender  A sua dor  E a de si próprio, Como arguto observador, Freneticamente,  Buscar tr...

ALMA LITERÁRIA

  ALMA LITERÁRIA Por  Paulo Rebelo   O meu estilo, Por ignorância Ou completo Desprezo às normas Literárias, Toscas rimas Sem métricas, Mera rebeldia Gramática, É não ter estilo nenhum. É puramente Imaginário, Incerto Destinatário. Indômita, Minha escrita Recusa-se A ter dono, A ser mais uma Sequer deseja Ser infinita. Apenas imatura, Em estado bruto, Buscando a luz Algo maravilhoso De dentro De mim; Uma alma Outrora alienada E assim, Do desvão da mente, Transmuta-se Numa renascida. Alma iluminada. Paulo Rebelo, o médico poeta.

ARTE RUPESTE

  ARTE RUPESTRE Por Paulo Rebelo     A minha alma Vive livre a escrever Aquilo que poderia ser Parente próximo Ou distante De poemas e poesias. Não há hora. São escritas no ar, Nas areias das praias, Nos rochedos do mar. É ociosidade, mas também, Necessidade. A minha primitiva Arte literária Assemelha-se aos pictogramas, Hieróglifos e garatujas, Brincadeiras De crianças Ou de um Homem das Cavernas, Que está a aprender A caminhar Ou a falar Os primeiros sons, Aquilo que seriam As primeiras palavras, Pensamentos, Primitivos sentimentos, Os mil tons de minha alma Indômita e fugidia. São psicoses; Ora há a mais pura Inocência Ora a mais completa Indecência. De meus delírios e alucinações Surgem ideias absurdas Que se transformam Em singelas criações. A minha arte literária, Se é que arte Ou assim poderia chamá-la É a minha estrada, Meu labirinto, Meu quarto escuro, Rota de fuga De minha alma, O desenho, De con...

O ALÍVIO*

 O ALÍVIO Por Paulo Rebelo Às vezes, ainda que tente, não há como evitar não se apiedar com um ou outro paciente. A mulher na casa dos 35 anos se queixava de pressão "muito baixa". Tinha tonteiras. Convivia com aquilo normalmente. Já havia perdido a consciência duas vezes. Perdera a conta de quantas vezes havia ido ao pronto atendimento. Nunca foi diagnosticado nada grave. Estava desolada, pois um plantonista lhe disse que era "psicológico". Mas, por via das dúvidas, lhe disse p q procurasse um neurologista e um cardiologista. Depois de exames, eletroencefalograma e tomografia do crânio, nada de anormal encontrando, o neurologista a "despachou" com receita controlada p TAG* . Ao relatar seu drama e périplo hospitalar, o primeiro diagnóstico se impunha: síncope vasovagal ou síncope  neurocardiogênica que se trata de uma ativação inapropriada do nervo vago que faz parte do sistema nervoso autônomo (que não depende de nossa vontade)parassimpático, uma espécie...

ATESTADO MÉDICO POR ANTECIPAÇÃO

 ATESTADO DE ÓBITO POR ANTECIPAÇÃO. Crônica de Paulo Rebelo Ainda sou de uma época em que o médico estimava com certa convicção quanto tempo um indivíduo, diante de uma doença grave ou terminal, ainda tinha de vida. Isso não era visto pela sociedade como mera adivinhação nem apenas um palpite; era algo baseado na experiência de vida clínica do médico e era respeitada a sua opinião e se ele errasse na previsão, a sobrevivência da pessoa era vista como um "milagre". Era muito comum um paciente ser "desenganado". O que um médico dizia era quase uma sentença de morte. Ocorre que naquele tempo a medicina era antiquada e contava com tratamento à base de "ventosas"e sangrias que era a retirada de excesso de sangue ou ainda a prescrição de doces para quem estava com hepatite, acreditava-se que A. Isso era uma festa p crianças. Eu mesmo comi muita goiabada e marmelada! Muitos exames tinham uma baixa  sensibilidade e especificidade para diagnóstico de doenças que, f...