A CHUVA E O MENINO
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A CHUVA E O MENINO
Por Paulo Rebelo
Amanhecia,
eu ainda dormia
quando a chuva despertou subitamente e, sem avisar, desabou dos céus,
silenciando até os passarinhos que começavam a gorjear.
Caiu sobre a cidade,
em cima do telhado,
na copa das árvores,
provocando o som do choveio* que me acordou,
mas que fez agasalhar-me ainda mais debaixo dos lençóis e sonhar acordado.
Trouxe viçosas lembranças de minha doce infância, quando durante o pampeiro d'água, eu costumava jogava bola,
apanhava manga,
nadava nos canais de águas pluviais de Belém do Pará, e com pueril travessura,
com meus amiguinhos, correndo saíamos a apertar a campainhas das casas do quarteirão inteiro na Brás de Aguiar, até que um dia fomos flagrados fazendo diabruras.
"Vais ficar de castigo!", mamãe dizia.
"Saia já da chuva, menino!", ao longe ela gritava. Eu parecia nem ouvir.
O pedido da chuva era mais forte.
Era com se a chuva me dissesse: "saia daí não, guri; aproveite que esse tempo não voltará mais".
Foi durante numa dessas tardes chuvosas de inverno amazônico, que Jandira, uma menina
serelepe, moreninha de longos cabelos negros, olhos castanho-claros que nem mel,
um ano mais velha do que eu,
aproveitando a minha inocência,
empolgada, com os olhos cerrados
me beijou (eu vi!) e beijou-me com sua boca,
relembro agora carnosa,
tépida, levemente salobra e molhada pela água daquela chuva fria da tarde escurecida, cujo gosto e aroma do beijo que passara a ser meu, eternamente, o guardo como um inestimável tesouro dentro de mim.
Ah, meu primeiro beijo! O beijo que despertou em mim o homem que dentro do menino estava latente, cuja chuva é a minha única testemunha...lhes juro.
Agora no amanhecer, volta para me relembrar minha infância já ida.
Paulo Rebelo, o escrevente do tempo.
*CHOVEIO-palavra que criei na minha cabeça para tentar descrever o doce ruído da chuva.
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