ORÁCULO DE DELFOS
ORÁCULO DE DELFOS
Por Paulo Rebelo
A razão do médico parecer tão seguro, em parte, em razão de seu amplo conhecimento científico, passando um ar de altivez, o que é verdadeiro, é que dada a longa vivência experimentada através dos anos ele já viu muitas coisas; pessoalmente, além das próprias agruras, muitas vezes, senti na pele a dor de perdas muitas pessoas, por exemplo, nunca perdi a esposa nem filho, mas tenho uma pálida ideia do que seja tal tragédia pessoal, pois assisto isso na prática médica do dia a dia, além de atender dezenas ou centenas de pessoas durante um mês, confortando-as e aliviando o seu sofrimento físico e mental. É que acumulei uma vasta experiência de vida através das vidas alheias, também. De doenças cronicas à incapacitação permanente, passando pela inexorabilidade da morte, já vi de tudo muito. É muito sofrimento humano para uma só pessoa suportar. Às vezes, busco me abstrair disso (impossivel); é quando, muitas vezes, valho-me da ajuda divina.
Há momentos eu que pareço estar no "modo automático". Daí, pode-se passar a impressão que eu seja dogmático, "seco", postulando o certo e o errado, estando acima do bem e do mal; não é isso: busco ser pragmático quando analiso a clientela ao colher a anamnese, exame físico, solicitar exames e os interpretá-los, estabelecer um diagnóstico, tratamento e prognóstico. Não é permitido o médico errar. Ocorre que somos demasiadamente humanos, já dizia Friedrich Nietzsche.
Além do aspecto meramente físico que é diagnosticar uma doença ou condição, a intensa e profunda relação médico-paciente se cultivada e quando possível, naturalmente acontece, extraindo-se daí um inestimável valor para ambos, sobretudo, para mim que passo a refletir sobre a condição humana. Ao diagnosticar que alguém é "cardíaco", cuja sua condição clínica é limitada e com tempo de vida encurtado, automaticamente, penso na minha própria condição. Eu mesmo já passei por inúmeros atos operatórios, submetido à sessões de hemodiálise, depressão e, mais recentemente, infarto do miocárdio, é impossível não amealhar experiências, que depois do choque inicial não se transmuta em crescimento humano pessoal.
Assim sou um homem melhor. Enquanto um homem comum vê ou conhece meia dúzia de pessoas durante a semana e com elas conversa pouco ou amenidades, por força do trabalho médico, atendo até centenas de pacientes/clientes e familiares, perscrutando-os de corpo e alma. Quando devidamente à vontade, permitem-se serem abordados, revelando-me suas vidas com o fariam com um amigo íntimo, um padre ou um pastor. A diferença é eu posso interferir em suas vidas, alterando o curso de suas existências através através da prescrição médica. Portanto, sabedor da importância desse momento, metaforicamente, busco dar o melhor de mim; o consultório médico é algo misterioso esperançoso como o Oráculo de Delfos, quando o peregrino vem em busca de respostas para o seu futuro e ao contrário dele, que é sempre fatídico, no caso do médico, além de praticar a medicina dentro dos mais elevados preceitos da deontologia médica, sobretudo, dar-lhes a esperança. Há um mecanismo de contra transferência, que nos fortalece imperceptível aos olhos dos demais.
Paulo Rebelo, médico, escritor e poeta.
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